sábado, abril 28, 2007

Meu barbeiro

A ante-sala da sua casa é o seu ponto de trabalho. É lá que Carlinhos recebe seus clientes diariamente. Por ter um bom movimento, o lugar hoje já possui um ventilador pra aliviar o calor, uma poltrona mais confortável para quem está sob os seus cuidados, espelhos grandes, cadeiras brancas de plástico para os que esperam a sua vez e uma televisão que funciona em tempos de copa de mundo ou quando há jogos da seleção.
Quando começo a sentir dores de cabeça, sei que devo fazer a minha visita mensal a Carlinhos (refiro-me a ele dessa forma porque até hoje nunca perguntei seu nome completo). Esse alagoano veio pra Bahia há cerca de 10 anos e logo trouxe muitas pessoas pra perto dele, por causa do seu bom humor e pela qualidade do seu trabalho. Depois de alguns minutos com a máquina, outros com a tesoura e a navalha ele sempre diz: “Tá mais novo, meu patrão”.
Ouço essa frase desde 2000, ano em que comecei a cortar cabelo com Carlinhos, mesmo quando ele ainda prestava serviço no salão de outra pessoa. A coisa foi melhorando e assim que alugou uma casa um pouco maior, ele logo criou seu ponto, desbancando seu antigo patrão. A simpatia e o modo simples de tratar todas as pessoas, faz com que esse alagoano cative amigos, como eu me considero hoje.
Carlinhos acompanha minha vida desde o tempo em que eu estava no ginásio. Sempre soube das minhas paqueras, dos meus projetos com a música e sentiu minha falta por um mês, quando passei no vestibular e meus amigos rasparam na escola mesmo a minha cabeça. Depois disso, passamos a sempre trocar muitas figurinhas, eu falando de faculdade e trabalho, enquanto ele me fala das suas lembranças de Alagoas, principalmente do tempo em que ele era solteiro.
Por falar nisso, acompanho o crescimento do seu casal de filhos, duas crianças muito simpáticas, que volta e meia abrem a porta da sala da casa que dá pro salão e saem correndo em direção à rua. Sua esposa também é uma pessoa muito doce. Pude conhecê-los melhor porque certa vez, depois de ter terminado o corte, ele me chamou pra mostrar seu violão e em outra oportunidade fui encarregado de consertar um computador recém-comprado, missão esta em que não obtive êxito.
Pessoas simples e de bom coração como Carlinhos estão espalhadas pelo Brasil. Infelizmente, todos nós ficamos tristes ao ver juízes e desembargadores envolvidos em esquemas de vendas de sentenças judiciais, como vem ocorrendo. Por mais que a Polícia Federal investigue e queria denunciar essas práticas, sabemos que nada acontecerá a esses contraventores, como ocorreu com a história do “mensalão”, em 2005. Apesar de toda essa podridão que impera na história do nosso país, sempre favorecendo quem tem o poder nas maãos, temos que acreditar nas pessoas que constroem de verdade o Brasil. Meu barbeiro me dá uma aula de honestidade e de como vencer na vida sendo simples e justo.

sábado, abril 07, 2007

Líderes com causas

Em uma noite de sexta-feira da paixão, data cristã em que se reflete sobre a morte de Jesus, me ocorreu algo de muito interessante. Fiquei revezando os canais de televisão assistindo a história do filho de Deus em uma emissora, enquanto também acompanhava a trajetória do mais importante líder brasileiro da atualidade, Chico Mendes, que era mostrada em outra emissora.
Apesar de estarem em contextos históricos diferentes, consegui notar algo de muito parecido entre Jesus e Chico em meio às mudanças de canais. Ambos vieram de famílias humildes e procuraram através de uma forma simples, lutar pela libertação do seu povo. No caso de Jesus, dos romanos que dominavam Israel. Chico lutava contra os fazendeiros, que eram contra a criação de uma área de extrativismo sustentável e não se importavam com a preservação da floresta.
A idéia de escrever sobre esses dois líderes, cada um do seu tempo (embora acredito que seus ideais são eternos), é de justamente questionar a nossa condição atual. Vivemos em meio a um tempo de extremo desinteresse pelas questões políticas e sociais do nosso país. Achamos que o Brasil não tem jeito e cruzamos os nossos braços diante disso.
Jesus e Chico também viviam em contextos de extrema repressão e desigualdades. Eles buscaram através do diálogo, sem tocar em armas, levar mensagens de solidariedade e de amor para todos. Precisamos fazer a nossa “revolução” diária nos comprometendo com as causas que afligem a nossa sociedade. Pensar que somos responsáveis pelo futuro do nosso país é um bom começo.
Sei que líderes como Jesus Cristo, Chico Mendes, Che Guevara, Mandela, Gandhy, dentre outros, surgem em contextos sócio-históricos bastante específicos. Não quero que de um dia para o outro passemos a mobilizar pessoas em torno das causas que queremos. Temos sim que pensar que somos donos do nosso destino e que a apatia é um produto da alienação que sofremos.
A morte desses líderes nos faz pensar o quanto somos indiferentes e deixamos de somar e de fazer coisas interessantes. Precisamos refletir sobre o quanto temos que ser questionadores, informados e conscientes sobre o mundo que nos cerca. Jesus morreu para dar o exemplo de que o amor está acima de tudo e Chico preferiu não fugir dos jagunços e deixar os seringais nas mãos de quem não se importava com a floresta. Ambos sabiam que iriam morrer por causa dos seus ideais, mas jamais desistiram. Precisamos pensar sobre quem somos e o que podemos fazer pra sermos menos inertes e incapazes de atuar em alguma mudança. Essa sexta-feira santa ficará na história.