quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Marginalizar é não educar


Rodrigo Marques

A impossibilidade de viver a infância de forma adequada fez e ainda faz parte da realidade de muitas crianças por todo o mundo. O trabalho infantil é sem dúvida o grande divisor de águas no que se diz respeito à disparidade entre os modos de vivenciar esse estágio de extrema importância para a formação do indivíduo.
Muitos são os fatores que conduzem as crianças ao trabalho precoce. O principal, no entanto, é a condição econômica familiar, a qual leva os pais a buscarem no trabalho dos filhos uma maneira de ajudar na sobrevivência. O caráter histórico dessa questão fica bastante evidenciado no livro de Leo Huberman, A história da riqueza do homem, no momento em que ele aborda da Europa durante o período da Revolução Industrial, no qual milhares de crianças eram privadas do direito de viver como deveriam, pelo fato de ter que trabalhar junto com seus pais em uma carga horária diária de 12 a 14 horas.
HISTÓRIA - Aqui no Brasil, essa realidade marginalizadora se confunde com a nossa própria história. Índios, negros, mestiços e imigrantes, que ainda eram crianças, tiveram o dever de trabalhar, não apenas para a ajuda familiar, mas também para satisfazer às necessidades econômicas dos exploradores.
Em 13 de julho de 1990 foi criado no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pela Lei 8.069/90, que consiste teoricamente em uma política de proteção, que deve proporcionar à criança e ao adolescente, o direito de poder viver em um país que os forneça condições para um concreto desenvolvimento. No entanto, esse estatuto esbarra em uma sociedade que, segundo a Procuradora do Trabalho em Minas Gerais, Maria Amélia Bracks Duarte, tolera o trabalho infantil partindo da premissa de que o trabalho faz distanciar da vadiagem, da droga e da prostituição.“Estamos estagnados como meros observadores de uma situação cômoda que não nos atinge, porque nossos filhos estudam, têm fluência de línguas estrangeiras, freqüentam academias e podem se quiserem trabalhar, mas, certamente não em filas de bancos como Office boys e nunca como guarda-mirins controlando veículos nas ruas”, argumenta Maria Amélia no artigo Infância Perdida, publicado pelo Ministério do Trabalho.
EDUCAÇÃO - O grande diferencial propiciador de mudança é, sem sombra de dúvidas a educação. É impossível pensar em um futuro de uma democracia, na qual os jovens não possuem uma boa qualidade de informações e oportunidade de acesso à tecnologia. Estudos realizados por diversas entidades brasileiras e internacionais, indicam que são inúmeros os compromentimentos físicos e psíquicos provocados pelo trabalho precoce, principalmente nas atividades consideradas intoleráveis como as desenvolvidas nos canaviais, nas carvoarias, nos garimpos, nas culturas de sisal, nas pedreiras e etc. As culturas de sisal e as pedreiras, que estão localizadas respectivamente nas cidades de Valente e Santa Luz, ambas na Bahia, ainda hoje com toda a evolução tecnológica que já se faz presente no sertão baiano, possuem grande concentração de crianças que trabalham em condições terríveis, e além disso, também abdicam dos estudos para ter mais tempo para o trabalho.
Esse aspecto de disparidade, provinda do caráter do acesso à educação, realiza um grande processo de marginalização, visto que a criança que não pode ter acesso a uma cultura letrada, certamente não terá futuras oportunidades de crescimento profissional. A constituição brasileira fixa em 16 anos a idade mínima para o trabalho e 14 anos para a aprendizagem, entretanto, 3 milhões de crianças menores de 14 anos ainda trabalham no Brasil, segundo Patrícia Laczynski e Veronika Paulics no artigo Erradicação do Trabalho Infantil, publicado no site Pólis (Estudos, assessoria e formação em políticas sociais).
TRABALHO INJUSTO - Como todos nós sabemos, a lei não é cumprida à risca e, além dos trabalhos exploratórios que já foram citados, existe outro que agride ainda mais a segurança, a moral e a saúde das crianças e adolescentes, que é o trabalho nas ruas. Muito comum nas grandes metrópoles, esse tipo de trabalho também possui caráter exploratório e é bastante visível nos semáforos, nos quais o trabalho infantil é desenvolvido por meio da venda de produtos, da limpeza de pára-brisas e até de malabarismos. Nos ônibus coletivos, muitas crianças pedem ajuda enquanto seus pais os esperam em casa para receber os trocados conseguidos.
DIA ESPECIAL -A reflexão mais aprofundada sobre o tema é feita no dia 12 de Junho, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Aqui no Brasil, existe o Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho infantil que é realizado em Brasília traz consigo a mensagem de que o trabalho infantil não é solução, mas sim um enorme problema, como afirma o coordenador do Fórum Maurício Correia de Melo.
É mais que óbvio que a impossibilidade de freqüentar uma instituição de ensino realmente gera uma marginalização direcionada às crianças e adolescentes, porém não podemos negar o fato de que vivemos em uma sociedade multiplamente dotada de preconceitos e em um país subdesenvolvido, no qual nunca existiu uma política voltada para o desenvolvimento social. Avaliar o efeito de causa e conseqüência é essencial para entendermos o porquê do tão elevado índice de trabalho durante a infância e adolescência, não só para o conhecimento teórico, mas também para uma prática de efetiva mudança. A sociedade sem sombra de dúvidas tem que se posicionar de forma mais contundente diante das autoridades, para que possam fazer valer os direitos e deveres todos, afinal democracia não rima com marginalização.


Referências Bibliográficas
* Duarte, Maria Amélia Bracks. Um estatuto na berlinda (Procuradora do trabalho em Minas Gerais), 2002.
* Colucci, Viviane. Discurso de abertura do Seminário Estadual sobre trabalho Infanto-Juvenil, 2001.
* Neto, Xisto Tiago de Medeiros. A crueldade do trabalho infantil. Jornal Opinião( Rio Grande do Norte), 21.10 2000.
* Mello, Maurício Correia. 12 de Junho, dia mundial de combate ao trabalho infantil, 2001.
Hubermam, Leo. A história da riqueza do homem. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2000.
*- Artigos publicados e disponíveis no site do Ministério do Trabalho.