segunda-feira, março 01, 2010

Tratando de trote


Ontem, assisti a uma reportagem que me chamou muita atenção e por isso achei interessante trazer essa discussão aqui para o nosso Politinia. Na edição desta semana do Fantástico, uma matéria mostrou trotes realizados por alunos de medicina em universidades espalhadas pelo interior de São Paulo.

Não sei se essa é uma prática recorrente, mas como o meu blog é muito visitado por jovens, achei por bem colocar o meu ponto de vista acerca desse assunto.

Entrei na faculdade aos 17 anos e confesso que realmente é fato que um mundo se abre no primeiro dia em que sentamos naquelas cadeiras. Começamos ali a projetar o que pretendemos ser, não só enquanto profissionais, mas como pessoas também.

O cotidiano do mundo acadêmico me possibilitou um amadurecimento muito grande, através das pessoas maravilhosas que conheci (professores e amigos) e também pelas oportunidades de conhecer diferentes universos de estudo. Anos inesquecíveis.

Não vivenciei nenhum tipo de trote. Até acho divertida quando as boas vindas são dadas com brincadeiras saudáveis, ou mesmo com algum tipo de ação social em prol de pessoas carentes.

O que eu vi ontem foi uma cena de horror, onde veteranos e calouros protagonizavam um espetáculo dos mais idiotas possíveis. Particularmente acho que ambos estão culpados. Os mais velhos pela iniciativa em tomar certas atitudes e os recém-chegados por serem coniventes com toda aquela sequência de absurdos.

Esfregar carne podre na cara do outro, arremessar objetos em direção, obrigar a andar abaixado no meio da rua, agredir fisicamente com tapas e afins, são atitudes que nos fazem repensar até que ponto certas pessoas chegam e se submetem para fazer parte de grupos.

Os veteranos utilizam o discurso de que haverá retaliação caso os calouros não façam o que eles pedem. Em uma das cenas, jovens pediam dinheiro nos sinais de trânsito para comprar bebidas alcoólicas para a festa daqueles que estão prestes a se formarem médicos. Patético.

Cada dia vejo que falta mais autenticidade às pessoas. Fazer parte de grupos, tribos e como é que se queira chamar é uma maneira de se colocar dentro da sociedade e poder compartilhar ideias e ideais em comum. O que eu venho percebendo é que em nome de fazer parte de certos contextos, cada vez mais certos jovens têm deixado de lado a sua individualidade para ser um personagem, com uma ideologia que mais parece uma configuração programada de um computador.

Lembro que eu sofria uma espécie de preconceito ou exclusão por não gostar de uma determinada banda, música, programa de tv, livro, ou coisa do tipo. Pelo visto as coisas só pioraram.

Acredito que os jovens têm que começar a pensar o que é melhor pra si, sem se importar muito com o que os outros vão pensar, tudo dentro de um certo limite é claro.

Submeter-se a situações ridículas como as mostradas nos trotes em São Paulo é se colocar em uma posição de inferioridade, na qual a autenticidade dá lugar a algo que muitas vezes nem gostamos de ser, mas que nos faz ser aceitos dentro de um determinado meio.

Falta limite e principalmente atitude para assumirmos o que somos. Espero que possamos nos olhar melhor no espelho e entendermos que para sermos melhores não precisamos ser alguém que não queremos ser. Não é fácil, mas vale a pena. Até mais!

2 comentários:

Nanda Muniz disse...

Rodrigo.. =D
A cada texto me torno + sua fã !kkkk
Realmente a questão dos trotes ja deixou de ser uma brincadeira a muito tempo.São inumeras as consequencias tragicas desses trotes...Já ta mais do que na hora detomar uma atitude contra isso,não sei se por meio das proprias universidades ou ate mesmos dos aluno... Só num pode continuar assim!
Flw Prof. Bj

Francy disse...

O impulso violento que move um trote é o mesmo que leva um político a se comportar como se fosse patrão dos eleitores ou como se fosse dono da coisa pública. É o mesmo que leva um pai a bater num filho, policiais a torturar prisioneiros : o pretexto de correção. Trata-se de uma busca desesperada de se preencher um vazio íntimo – sentimento de insegurança, manifesto ou em potencial; busca de auto-afirmação. Os trotes, no geral, constituem uma expressão simbólica daquilo que é a essência de uma sociedade hierarquizada - a idéia de poder (neste caso, leia-se conhecimentos), expressa na velha indagação: "sabe com quem você está falando?".
E serão estes futuros profissionais (muitos já atuam em suas áreas) que confiaremos nossa saúde. Sem nenhum escrúpulo, como podem jurar e consagrar sua própria vida a serviço da humanidade.

A Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial - 1948, a mais antiga e conhecida de todas, tem sido utilizada em vários países na solenidade de recepção aos novos médicos inscritos na respectiva Ordem ou Conselho de Medicina. A versão clássica em língua portuguesa tem a seguinte redação:
"Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade.
Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão.
Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade.
A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação.
Respeitarei os segredos a mim confiados.
Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão
médica.
Meus colegas serão meus irmãos.
Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes.
Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza.
Faço estas promessas, solene e livremente, pela minha própria honra."

Outro dia entrei numa discussão sobre o uso da maconha (drogas e afins), todos sabemos que a maioria dos profissionais que sofrem pressão no seu dia-a-dia são usuários. Então vem a questão: você confiaria um filho, pai, mãe ou sobrinho em uma cirurgia de alto risco por um desses médicos/usuários? Você contrataria um advogado/usuário para defender uma causa trabalhista? Relataria uma ocorrência de um ponto de venda de drogas a um policial/usuário?

P.S: Não deixei de ler os posts Rodrigo. E como leitora assídua me vi na obrigação de comentar.
Parabéns pelos temas.
A gente pensa, você assimila e posta!!!!!